quarta-feira, 25 de junho de 2008

Incompleto.

Pausa.
Ela entra caminhando vagarosamente:
Está perdida em alguns pensamentos, com uma expressão densa no rosto.
Fotografia: Uma sala desarrumada, algumas roupas num sofá carmim antigo, e a moça sentada no chão, recostada numa mesinha de centro.
Ela suspira, não de alívio, mas sim de cansaço, de ausente resistência...
Levanta-se.
Pausa.
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Prepara um café, e procura alguma qualquer distração além da água fervente, além dos dedos tortuosos, além dos dias retardantes, além dos segundos todos, segundos decisivos, todos eles, decididos a não proclamarem mudanças. Ela não consegue nem chorar.
Volta à sala.
Pausa.
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Os olhos ardem de estarem fixos numa janela escura.
Os lábios ressecados, unhas por fazer: pensa na negligência consigo, em todos os dias que transcorreram profundos de solidão, em todas as dores ignoradas, pequenos transtornos cumulativos, amizades com pitadas de repressão, banzo sem fim nas insones noites absurdas.
Não há motivos claros. É tudo nebuloso, é um desagravo eterno, queria ser objetiva, ela só queria ser menos assim do jeito que é, ela só queria dançar mais vezes no compasso ditado pela doce vida! Açúcar e afeto numa alteração só.

Fugira tantas vezes das mesmas horas de entrega, fugira tantas vezes das mesmas sobriedades, fugira tantas vezes da felicidade, fugira tantas vezes das notas musicais certas.
‘Tudo é relativo.’, sempre fora sua desculpa preferida para não ter de opinar, para mais uma vez fugir, fugir e fugir,...
Pausa.

Pausa de alguns meses.

Pausa a vida, o tempo não passa... De tempo.
A beleza dos dias encanta a tantos, o ritmo de tudo que é tácito... melhor olhar acelerado, assim pra embaçar, misturar formas e cores.
Ela existe e nota isso neste instante. Insuportável existir, precisa ser muitas.
O café está frio, as mãos ainda tremem de sua exalante fraqueza.
Fotografia: Uma mulher sentada num sofá carmim antigo, uma xícara de café frio e uma percepção fraca de mundo.

Pausa.
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Como que se faz uma tradução de mundo?

Ela observa o próprio corpo com amor. Sim, ainda há amor.

sábado, 14 de junho de 2008

Campos por mim

Da minha janela não posso ver nenhuma Tabacaria.
Da minha janela nenhuma metafísica desfila em pedra ou flor.
Não digo que sou nada, tampouco tenho todos os sonhos do mundo:
me sinto muito mais um mundo de sonhos que desemboca em nada.

(Ei! Esteves sem metafísica! Me traz um chá de quebra-pedras,
a dor me consome e eu parei de fumar... soul toda ansiedade pós-pós)

Tenho as mãos e os pés suados
e vejo tantos com tantas máscaras tecidas à 4, 6, 8 mãos...
ou mais, ou não...

Tentei traduzir tantas coisas:
...
passado presente
atrevimentos que adentram na pele,
rasgam a carne,
se prendem ao cerne
e cicatriza humano.

Possuo também aquela costura no juízo,
e mergulho no talvez
se
se ... corresse o mundo,
se eu fosse a filha da lavadeira,
talvez ... fosse bem mais discretamente infeliz...

Talvez, quando parar de me indagar,
eu seja completa.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Só a loucura


Ria sozinha quase o tempo todo,
uma moça magra querendo controlar a própria loucura,
discretamente infeliz.
(Caio Fernando Abreu, in: O dia que Júpiter encontrou Saturno)


Do que eu tenho n'alma não dou conta. Automóveis e beijos escorrendo como líquido. Do que eu profundamente recordo não altero nenhuma dor, nehuma lástima me faz atrito, nenhuma paixão se faz pudor. Do que, emaranhado em meus cabelos, deixa de ser anunciado não faço meias idéias, nem transmito palavras, assanho-me num segundo escolhido, almada demais.
Se digo que sou, toda toda, toda soul, é uma estória sem limites é não suportar o real, o deserto turbulento do real, a solidão que não se dá e a sede que não cessa, não apara dúvida alguma, não permite destemperos.
Dizia eu que poderia dominar tanto, dominar tomando espaços, mas continuo discreta, numa risada só, um disfarce estranho e que nem eu mesma me percebo vezenquando...
Dizia eu que poderia voar, mas prefiro passar de leve os dedos na seda, só pra ter a sensação de existir imensa, de não destruir o delicado.
Dizia eu não querer dizer mais nada, não poder saber muito o que me rodeia, dizia eu que falava demais, e tudo no mundo eu dizia consciente, com alteridade até.
Me permito.

segunda-feira, 2 de junho de 2008