terça-feira, 30 de março de 2010

Passageira

Nada pode me matar
nem o sumiço das horas
passatempo tão pesado
nem a neblina nos olhos
amargor fechado
nem as agulhas espalhadas
gritando em minha pele
nem o sussurro tangível
de quem atravessa o labirinto
e nele se consome.

Nada pode me matar
ouço o despertar felino
das moças prostitutas febris
ouço o semáforo em amarelo
das madrugadas solitárias
meus músculos ouvem
e repelem cada centímetro.

Nada pode me matar
nem a minha insegurança
meus braços maiores que tudo
o sufoco que impus ao mundo
as trapaças na roleta russa
Nada
o frio que me enreda
e devolve meu ser azul
não pode alcançar meu peito.

Nada pode me matar
nem os tiros de glória
de um passado inexistente
nem os hermetismos de outrora
serenas madrugadas sombrias
álcool e poesia
desejo e repreensão.

Nada pode me matar
eu grito isso há tanto tempo
reviro páginas
deito espalhada
e penso se vou ficar aqui sozinha
pelo resto dos dias
sem me levantar.

domingo, 28 de março de 2010

A crítica e o tempo

De fazer com bom humor
Falar de amor
Rima, riso e artifício
Nem me fale em poesia
Que aos 20 não é isso

De fazer com lágrima
O compromisso adiado
Falar dela: perfeição e passado
Nem me fale em poesia
Que aos 30 ainda é descaso

De discorrer das complexidades
Alterar conceitos
Repetir fatos, ditos e feitos
Nem me fale em poesia
Que aos 40 é sem efeito

Mas ainda insistia
Despudoradamente
Grito amor e riso
Nem me fale em poesia
Que ainda se morre disso

domingo, 21 de março de 2010

Animula Vagula Blandula

Não sei fingir que amo pouco quando em mim ama tudo.

Vergílio Ferreira

quarta-feira, 17 de março de 2010

eu já era.

A vida é chata e sem graça, está perdendo o brilho a cada instante petrificado pelo obrigado. Obrigada, eu digo, e sempre viverei assim, obrigada por tudo e um pouco mais. Não se deve falar alto, um imprevisto me carrega as forças, o gosto deve ser refinado, a roupa muito bem abotoada e a postura ereta como uma lança que impala o cadáver. Conhecer de tudo e ser a mais bem educada flor de requinte além, é claro, da pontualidade. Os pesadelos se concretizam e o brilho dá lugar a um amargor característico de quem se dobra ao real. Será felicidade viver assim? Não ouso responder, uma vez que poderia estar falando no momento inoportuno. Ou talvez seja apenas inoportuno e inadequado falar desta maneira tão inconstante. Com a sua licença, mas não posso ficar, tenho outros compromissos, os mais pervertidos possíveis e os impossíveis também, só peço que não alardeie por aí tal afirmação, pode destruir meu caminho já há muito ditado.

Passar bem.

terça-feira, 16 de março de 2010

Espírito do rio

A luz está fraca. É meio dia em meu espaço. Não me pergunte como, mas esta frase me ocorreu, elas todas me acontecem, histórias me acontecem em milésimos de segundo e tenho a alma fortalecida nesses instantes, embora fique exausta logo em seguida. Não temo mais o destino que prescrevo, nem me atormenta o abismo de outrora, o que me leva são os sonhos de sempre a as palavras ariscas. Não sei domá-las nem quero. Tem pouco tempo que agarrei uma explosão com tanto fervor que me queimei de uma só vez e o que me espanta é ainda estar em brasas. Se me arrependo? Todos os dias de não ter abraçado o fogo antes. Estou radiante...
Me abraça forte agora e me devolve o que eu te entreguei: versos e excessos de palavras que poderiam ter sido e não foram, não são. E que se dane o desespero, quero muito a vida plena e deliciosa. Carne sangrando rasgada com cheiro de sangue e jeito de quem não tem mais jeito, vai ficar ali exposta... Também amo o suor, o natural, o cruel às vezes me convida, o grito! ! Dependo de todos para fazer valer a pena destas linhas, mesmo sabendo que quem vem de encontro a elas vem para encontrar a si de alguma maneira, e nunca se encontrar comigo. Escrevi e não estou mais aqui. As linhas do mundo inteiro. E sabe o que mais? Não me envergonho de errar, meu texto pulsa no meu ritmo, se admite com meus erros, se forma e deforma conforme minha dança, meus passos e os passos de tantos que sigo, de poucos que me seguem mortos ou vivos estão todos aqui. Um só. Somos plantas enraizadas nos céus e as estrelas caem todos os dias no mar iluminado da manhã.
De todas as horas do dia é meio dia que tudo se congela em luz e calor infernal, é meio dia que tudo para e não pergunta nem responde. É cinco da tarde a hora mágica que o mundo renasce, é cinco da tarde que os cheiros se mostram divinos, que a luz fica inebriante véu. O mundo me bate meio dia e me embriaga cinco da tarde. Completamente poesia neste instante. Sou poesia por todas as horas exageradas e inconstantes, por todos os gritos internos, os desagravados silenciosos eu sou! Poesia por todos os poros arreganhados de euforia, pelas pernas bambas às vésperas de um recital, pelo meu fim eu sou poesia. Amém. Em toda parte e nos inteiros eu sou poesia.
O grito se acalma.
Questiono meus métodos. Questiono meus dedos. Questiono minhas unhas frágeis. Indassim sou poesia.
Me larga agora... o abraço já foi suficiente, já se foi o abraço. Me larga, que o dever te realiza e eu nunca fui dever. Me larga!
Estou cansada.
É muito trabalhoso sentir assim. Me fecho agora em sono restaurador e volto, acordando todinha para dentro.
Espontaneidade, meu deus, é tudo enquanto.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Alma verso.

Em estado selvagem a dor alcança meu seio farto de pretensões. Nada em mim acontece sem querer e o sabor triplica em desespero quando sei que consegui meu objetivo. É preciso bem mais se eu quiser saber, é preciso mais força, muito mais força para alcançar o espaço-tempo a que me proponho, absurda talvez, mas sempre alerta. Estive no meio do nada com tanta coisa pequena num universo tão grande, acredito desde pequenininha que quando meus olhos alcançam paisagens imensas a minha alma fica também imensa, o meu corpo, que é tão pouco e tão efêmero estremece quando a alma entra em contato com a imensidão das paragens desconhecidas, das conhecidas, das grandes. A grandeza física das coisas me atrai e o infinito me deprime, uma vez que não sei ainda como alcançá-lo, o infinito me consome. Fico ansiosa toda vez que percorro o infinito, eu não sei percorrê-lo, penso nele todo dia, estou nele, ele cresce, cresce, cresce... uma loucura me provoca, uma angústia me leva a saber que faço parte do infinito, parte de algo que não tem tamanhos ou partes, isso não me acalma. Aí é quando sei que somos tudo e que qualquer coisa é tudo, e paro. Quieta escuto o tudo em mim. Quieta sei que sou também infinita. Quieta vou me desintegrando no ar, vagarosamente, para formar outros universos... versos.