segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Os cavalos de Dom Ruffato*



Caminhando pela casa eu li Os cavalos de Dom Ruffato. Li de um gole só, e fiquei cansada, desconstruída com um suspiro travado na garganta. Não quis escrever sobre a obra, quis viver, tão somente, abraçada ao caos de uma história em mosaico, construída de muitos acontecimentos que circulam no tempo do agora. 
  Quando diz cavalo Rubervam Du Nascimento conta histórias, corre contra o vento de olhos abertos e poesia selvagem. Indomável, o texto arrebata a imagem contemporânea, como homem de seu tempo ele existe e transporta de dentro do seu lugar um discurso pesado, por vezes musical e indignado, um discurso destemido.
  Os rastros trazidos pela linguagem de Rubervam são marcados, compassados e profundos, por vezes levantam mistérios, evocam nomes e fotografias de outros tempos, construções labirínticas nervosas: menino e cavalo correndo no sol. Uma atmosfera tumultuada se levanta diante de nossos olhos, a poesia procura o seu lugar, sempre a galope, cabelos ao vento no meio de um ritual de antes do antes.
  A poesia de dom hubervã perez ratez evoca uma palavra antiga, homem indignado com a máquina pós moderna que o atropela, é como se o trabalho deste poeta se mostrasse tal qual pintura, imagens surgem do papel, imagens  seus tons e cheiros. O mundo inteiro mora no calor dos versos piauienses de Rubervam, versos que correm debaixo de um açoite intermitente, tradução de realidade.
  Os cavalos de Dom Ruffato contam histórias, vivem um presente cansado, pesado de luta e persistência. Vivem num tempo de invasão, de peleja, versificada e unida por uma palavra “forte como a palavra cavalo”, escolhida por dom hubervã para o duelo com o mundo, espaço onde o leitor só pode vir a viajar e sair cansado, indignado, com sede. Este livro não se esgota, balbucia novo mundo, avança nas veredas abertas por todas as frestas de luz que insistem na cidade, depois dele só resta viver. Com um contentamento amordaçado e de mãos dadas com o “menino sol”.


*Obra premiada do poeta Rubervam Du Nascimento, lançada em 2005, Recife-PE.

[Apreciação publicada no primeiro número da AO revista - publicação impressa do coletivo Academia Onírica]

sábado, 3 de novembro de 2012

Estudo n° 9


No ato de minha morte
perpetuem fora de meu peito
o coração já cansado
está rôto, tem um defeito
marcado
nunca fucionou direito.

Sempre vistoso rumo à prosa
este órgão, sem remorsos,
ainda há de viver poesia
Envergado de pena e agonia
acostumou-se a trabalhar em silêncio
viciado em lento lamento
condoía-se de café e cansaço

Foi o mais tímido fracasso
que colecionei em vida.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Fragmentos

Me sentindo solitária por esses tempos. O trabalho afasta as pessoas... os desejos nos levam ao trabalho. A crueldade desta escravidão me aterroriza... Marguerite Yourcenar teve razão.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Desenredos 14


Recomendo aqui a revista de cultura e literatura Desenredos, um periódico digital que admiro e respeito por sua primazia na manutenção de uma linha editorial que vale a pena ser lida.
Nesta edição tive o prazer de participar com 6 poemas.


domingo, 8 de abril de 2012

Poema da noite


Noite
calabouço voraz
intermitente pedra nos olhos
imagens rudes
de onde o templo magnífico
não se apresenta à vossa sombra

Voraz
antídoto das mágoas
ruínas memórias suicidas
entrevejo um possível de riso
na amplitude do deserto negro.

Um desejo
é tudo que ronda tamanho espaço
é tudo que morde meu mamilo seco
é tudo que rende um faminto beijo
e exaspero-me em saudades...
Não mais aqui estamos
as mãos soltas na aurora nervosa
o suor denso o peso
o ambíguo jeito que me olhas agora...

Noite
calabouço voraz
e me admiro ainda de tua fome
do meu passo pesado
tua mão enorme:
uma sombra invade o recinto
e choro

Voraz
como as fiandeiras
sedentas pelo corte
como a sede espinhosa
na língua aflita
como o sacrifício onde
os deuses se alimentam.

De mim resta apenas
o rosto do sujeito
indefinido e criterioso
a observar o escuro fosso
de um poema inacabado.

A noite é voraz silêncio
indagações são ventos
que animam os corpos.
Estamos a um passo do deserto
e meu corpo lá espera
por um sopro do poeta.

sábado, 31 de março de 2012

Estudo n°07


Dos teus duros olhos de âmbar
escapa a minha dança
e sobram outros segredos.

Duros aspectos do medo
sinto meu pulso revidar
um ritmo atravessado em garganta
e ainda em dança em dança
no âmbar dos nossos anseios.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Por onde começamos?



Não sei ao certo se a porrada que levei hoje é válida como ponto de partida de alguma palavra forte.
Não sei mesmo. Quantas vezes se começa algo? E os términos?
Só posso sentir o gosto do sangue, delicado, na língua inquieta.
Só dúvidas.
Nada pode me fazer mais melancólica. E completa.
E o que fazer com as coleções de fracassos?
Despejo-me numa causa solitária, e o passar dos anos é o meu maior desejo.








E isso daqui fica assim, terno e flutuante, isso mesmo, é essa a referência...



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

À Ñande Ru Tenondé

Depois de fundir-se o espaço e amanhecer um novo tempo,
eu hei de fazer que circule a palavra-alma novamente
pelos ossos de quem se põe de pé,
e que voltem a encarnar-se as almas,
disse nosso Pai Primeiro.

Quando isso acontecer
Tupã renascerá no coração do estrangeiro;
e os primeiros adornados novamente
se erguerão na morada terrena por toda a sua extensão.


(Profecia da nação Guarani do clã Jeguakava, narrada por Pablo Werá no início do século XX, in: JECUPÉ, Kaka Werá. Tupã Tenondé. Editora Peirópolis: São Paulo, 2001. Página 09)